sábado, 6 de maio de 2017

Recomeços em ebulição



Olha, se quiser ir pode ir. Eu ainda vou arrumar o quarto. Quer ficar? Tudo bem, sente ai na cadeira. Quer uma água? Não? Ok, ok. Vou começar.

Consegue ver? Sério, consegue ver isso? O que? O dia. Mudando de cor. Como uma massa de cores que se espalha pelo horizonte. O que? Não consegue ver? Tudo bem.

Olha, um par de meias ali no canto. Pega pra mim? Obrigado.

Olha, olha pela janela!

Consegue ver? O céu incandescente. Como se ele estivesse em ebulição.

Caralho!

O que? Não vê nada?

Quando eu terminar aqui eu te ajudo a ver. Tu usa as tuas crenças mesmo.

Me diz: só estou arrumando um quarto ou dando um reinicio pro universo? Ou esse é o céu mais bonito que tu já viu?

Calma, não precisa ficar assim!

Temos tempo.

Não se preocupe.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Poderia ser pior

Havia muitas coisas que Alberto queria dizer.
Algumas sinceras, outras nem tanto.
Mas a maioria tinha a ver com o sentimento que tinha ao seu lado.
Amizade, compreensão, divertimento, tesão, gratidão.
No meio disso, havia um que ele não sabia dizer qual era.
Não era só amizade para ele.
Muito menos só a vontade de experimentar seu sexo.
Quando estavam juntos, sentia-se em paz, mesmo que tudo ao redor parecesse um caos.

Estavam sentados. Um ao lado do outro, num dos bancos do Ver-O-Rio.
Alberto fumava um cigarro, nervoso.
“Será que diria? Teria coragem?”
Teria.
- Tenho uma coisa pra te dizer.
- Diga.
- Eu... digo...
-HAHA. Diz logo Alberto.
-... acho que te amo.
- O QUÊ?
- Desculpa...
- Mas somos amigos, sempre fomos amigos!
- Eu sei. Mas eu estou sentindo coisas que não consigo entender.
- Que merda! Isso é um erro... – disse tentando se levantar.
- Espera!

Então Alberto o puxou e o beijou.

Sentiu os lábios dele e pensou que nunca sentira algo tão bom assim.

Desvencilharam-se

O rapaz o olhou por um momento. E então, meteu-lhe um soco na cara.

Alberto caiu, sentindo dor e tristeza, tudo ao mesmo tempo.
- Seu viado de merda! Vai se foder!
E ele foi embora.
Alberto sentou-se no chão e pensou.
“Poderia ser pior”

Mas ai que estava a questão...
O rapaz voltaria.
E dessa vez armado.



sexta-feira, 17 de março de 2017

Madrugada de 16 de março

Você está percorrendo a Dr. Freitas às duas da manhã. Observa a névoa cobrir com um manto lúgubre a paisagem. Carros quase não passam próximos, afinal ainda é dia de semana e as pessoas costumam dormir cedo em dias de semana. Alimenta o teu descontrole com a caninha que ainda restava e observa teus amigos deitarem no asfalto úmido. Talvez esteja bêbado, talvez a doença esteja querendo lhe derrubar, talvez seja só um rapaz numa rua vazia acompanhado de outros rapazes solitários. Você ri da loucura e sem pensar muito, se deita também. Sente a solidez da avenida e tenta imaginar que merda é que está pensando. Só há regras a serem derrubadas naquela madrugada. Todos então se levantam e continuam andando. Você assiste o lento arrastar dos minutos e nem se preocupa que teu dinheiro acabou e não tem como ir para faculdade no outro dia. Lá no fim da rua, vê alguém andando e se pergunta se aquela seria mais uma de suas recorrentes alucinações. Talvez você pense que seja e nem fica mais espantado. Somente aceita.


Você pensa: “É só mais um dia”. Sorri com a ideia, vendo mais momentos assim ainda por vir. Cospe no chão e continua andando.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Matinal

Acordei aquela manhã sentindo a ausência
Tentei continuar deitado, mas as imagens eram muito fortes
Sentei na cama e alimentei um pouco da minha angústia
com suas memórias

Doeu

Aspirei todo a energia que o ar me dava
para logo em seguida morrer dentro de mim

Era janeiro
Senti que havia algo próximo
e entendi que era só o peso do tempo

Olhei a janela
O mundo me chamava
mas eu não queria ir

Com um pouco de esforço
me levantei
Mas o corpo falhava

Pensei por um momento
no fim
Mas não me concentrei
Deixei ir

Olhei aquela mesa que eu havia comprado
Queria vê-la destruída
Mas me contive. Havia sido cara

Vida
Vida?
Vida!

Cansei dessa merda
mas não posso evitar
Já estamos aqui

Sendo
E não sendo


E sobrevivendo

terça-feira, 14 de março de 2017

Noites

Não conseguir dormir tem quase uma beleza mágica. Fica-se olhando o lento transcorrer das horas esperando que em algum momento o sono chegue o leve para os braços de Morpheus. 

Mas é sempre errôneo pensar que isso é simples. Dormir é assustador! Você fica totalmente a mercê do tempo e do espaço. E da boa vontade dos que te rodeiam. Então, a insônia não é tão ruim assim.

Eu não dormi ontem.

Fiquei pensando em como o dia havia sido próximo da perfeição. Sem melancolia, sem raiva, sem palavras fora de hora.

Eu havia sido eu.

Isso era muito bom.

Porém mesmo na beleza de um dia assim, eu sempre fico pensando em como tudo pode mudar. Logo eu poderia estar pensando em como é a melhor forma de dar um fim à dor, ou então eu me preocuparia em quantas catuabas eu vou beber no fim do dia.

Ser humano tem disso. De estarmos num ápice e logo após sermos jogados na lama.

Por nós mesmos.

Então por enquanto, eu fico aqui observando o teto.

E esperando a próxima manhã começar.

O Eremita - O Posto de Gasolina da Inutilidade

Havia chovido forte àquela tarde. Tão forte que algumas ruas estavam alagadas, mostrando como a cidade ainda sofria de problemas tão rotineiros. “Normal”, pensou o Eremita. “Cidades, no final das contas sofrem dos mesmos problemas, seja aqui ou em outra parte do mundo.” Isso o manteve pensativo por alguns momentos, até ver a construção à sua frente.

Era um posto de gasolina, ali próximo da Praça Dorothy Stang. Havia um certo movimento ali que provavelmente devia ser normal. Carros iam e vinham, abastecendo o tanque para seguirem seus caminhos rumo a algum lugar que o Eremita ainda desejava descobrir. Ao lado havia uma loja de conveniência, que exibia um movimento tímido. Entrou, esperando achar um banheiro em algum lugar.

Lá dentro, o ar frio era opressor, porém o ambiente era todo planejado para ser agradável: Luzes fluorescentes refletiam nas paredes brancas. Havia uma mesinha bem no meio das gondôlas onde estavam dois rapazes bebendo uma cerveja e conversando sobre algo que não fazia o menor sentido. O Eremita olhou para o lado e viu refrigeradores em que os refrigerantes e cervejas ficavam. Engoliu em seco ao ver uma Glacial solitária lá dentro. Quanto tempo tinha?  Fazia meses que não bebia álcool e uma vontade enorme se apoderou de seu ser. Tateou os bolsos em busca de algum dinheiro, mas suas vestes estavam vazias de qualquer valor.

Então, ele se aproximou dos dois rapazes e perguntou:

- Vocês poderiam me dar um gole dessa Glacial?

Os dois rapazes se entreolharam. Eram dois rapazes jovens, não aparentavam ter mais de vinte anos. Um deles tinha o cabelo esverdeado enquanto o outro tinha um alargador na orelha esquerda. O rapaz do alargador pegou a Glacial e estendeu para o Eremita.

- Bebe ai man
.
Agradecendo aos dois, o Eremita bebeu do gole da Glacial com os olhos fechados e sentiu exatamente a mesma sensação de antes. Os dois rapazes ficaram olhando, meio entre risadas. O do cabelo esverdeado perguntou.

-Precisa fechar os olhos pra beber uma breja?

O Eremita abriu os olhos e devolveu a lata para a mesa. Pensou um momento e então respondeu:

-Quando se quer aproveitar a beleza do que é inútil, sim.

- Como assim a beleza do que é inútil? Tu achas que somos 
inúteis? – perguntou o rapaz do alargador.

- Vocês acham que sentar em uma mesa e beber para assim poder conversar algo bom?

- Mas é o que todo mundo faz.

- Mas nem por isso deixa de ser inútil.

- Olha – disse o rapaz do cabelo esverdeado se empertigando na cadeira – não estou entendendo esse teu papo.

O Eremita olhou para os dois rapazes e sorriu. E disse.

- Esse lugar, usado como local para abastecer carros, comprar coisas e beber suas memórias é só mais uma das várias formas que as pessoas encontraram para se esquecerem.

- Esquecerem do que? – perguntou o rapaz do alargador, interessado.

- De quem nós somos. Não precisamos de um carro para nos locomover, não precisamos beber para conversar, não precisamos gastar dinheiro comprando qualquer coisa que preencha. Só precisamos ser.

- Está dizendo que é inútil ser assim, fazer essas coisas?- perguntou o rapaz do alargador.

- Sim e não. A inutilidade tem a função de evitar que tudo seja tão serio ou demasiadamente lúgubre. O que seríamos de nós sem essas pausas para tomar uma Glacial em um bar ou como aqui, em um posto de gasolina?

O Eremita olhou para fora, vendo a Pedro Alvares movimentar-se como sempre.

- Precisamos de respiro, mas ele não deve ser só nosso norte. Vocês bebem porque querem se divertir. Eu entendo. Mas resumir-se a isso não é suficiente. Tem que haver um significado.

- Você bebe para que então?- perguntou o rapaz do cabelo esverdeado já de cara fechada.

- Bebo para lembrar que há beleza em não fazer sentido. Que sentido há em beber e ficar bêbado? Nenhum. O estado alcoolizado serve para destravar certos limites e é isso que interessa, saber até onde vai o seu limite.

O Eremita bebeu mais um gole da Glacial, agradeceu aos dois rapazes e saiu, deixando-os ali.

“Talvez algum dia”, pensou o Eremita já andando. “Eu só precise de mim mesmo”.



E continuou andando. Rumo ao próximo destino.

sexta-feira, 10 de março de 2017

Insônia

Merda.
Ainda são quatro da manhã.
Eu não entendo porque o meu corpo simplesmente não desliga como os dos outros.
Tudo que eu queria era uma noite de sono completa, sem precisar estar muito bêbado para isso.
Vou tentar fechar os olhos e ver se o sono me pega.
...
...
Caralho! Eu não consigo dormir!
Como raios alguém acorda em meio à madrugada e fica pensando na porra do trabalho de faculdade que tem para fazer. Porque caraleo eu tenho que ficar pensando numa mina que nem sequer namorei? Uma foda man! Uma foda rápida na casa dela e eu pensando que poderia ter sido diferente Que poderia ter namorado com ela. Eu sou um imbecil mesmo.
Merda. Só se passaram dez minutos? Porra eu vou ficar acordado aqui até de manhã, é isso?  Acho que... eu vou ler alguma coisa, ai o sono chega e eu durmo finalmente.

(Abre um livro chamado Minha Metade Silenciosa)

Haha. Ele tomou banho com a menina. Quatorze anos. Nessa idade eu só queria era saber de escrever e pronto. O Palito tá mais esperto que eu nesse sentido haha. Cara, os pais deles são realmente uns filhos da puta. Eu já teria saído dessa casa... ah mas o menino só tem quatorze anos... é, complicado.
...
...
Acho que agora dá para ir dormir. Acho que estou com sono. Amanhã eu leio mais.
Pronto. Deitado novamente. Basta fechar os olhos e então dormir.
...
...
...
MERDA!!
Nem sequer consigo relaxar. Como pode existir insônia? Porque todos não dormem simplesmente. Imbecis como eu ficam pelo mundo afora acordados devaneando sobre qualquer putaria enquanto o resto planeta dorme a sono alto. Que delícia não?
Ah! Qual é já são cinco e meia?
...
Será?
...
Não sei.
...
Talvez.
...
Uma punheta?
Bem rapidinha?
Só para eu imaginar que eu to comendo uma mina e ela ta me deixando cansado?
Acho que não custa tentar.

Ah...
Ah...
Caralho...
Caralhooo...
Ah! Ah!
CARALHOOO!!!!

(Vai até o banheiro e lava as mãos. Volta para a cama)

Talvez agora eu fique com sono. É... tô sentindo. Acho que é sono. Beleza. Fecha os olhos porra!
...
...
...
BÉ!
BÉ!
BÉ!
BÉ!

Caralho! O despertador! Já são seis e meia?
...
Merda...
É seis e meia.
...
...
É...
É o jeito.
Hora da faculdade...

Porra...